A energia solar fotovoltaica tem sido apontada como um dos instrumentos relevantes na transição energética global, seja por seu potencial de reduzir emissões de gases de efeito estufa, seja por possibilitar a diversificação de modelos de acesso à energia.

No cenário internacional, o Brasil tem se destacado nos últimos anos, passando da 20a posição em 2018 para a 6a posição mundial em capacidade instalada em 2024, com 53.113 MW, segundo dados da IRENA (2025). Esse avanço é fruto de um processo histórico gradual, marcado por avanços regulatórios e políticas públicas específicas.

1. Primeiros marcos

A crise energética de 2001 foi um ponto de inflexão para o setor elétrico brasileiro. Como resposta, instituiu-se o Programa de Incentivo às Fontes Alternativas de Energia Elétrica (PROINFA), por meio da Lei no 10.438/2002. O programa visava diversificar a matriz elétrica nacional e fomentar fontes renováveis como a eólica, a biomassa e as pequenas centrais hidrelétricas (GALDINO, 2024). Contudo, a energia solar fotovoltaica não foi contemplada nas fases iniciais do programa, o que retardou sua inserção estruturada no mercado nacional.

Apenas a partir de 2014 a inserção da fonte solar se deu de forma mais robusta, com sua participação em leilões de energia de reserva. Ainda assim, os primeiros certames revelaram preços significativamente superiores aos de outras fontes, dificultando sua competitividade.
Entre 2012 e 2020, no entanto, o preço médio dos módulos solares importados caiu 76%, o que impulsionou a viabilidade da tecnologia no país (BEZERRA, 2021).

Marvin Menezes, advogado

2. O surgimento da geração distribuída e o Net Metering

Em 2010, a ANEEL aprovou a Agenda Regulatória da, então, Superintendência de Regulação dos Serviços de Distribuição (SRD) incluindo como um de seus objetivos principais a redução dos obstáculos ao acesso de pequenas centrais geradoras aos sistemas de distribuição. Essa diretriz deu origem à Nota Técnica no 0043/2010, que analisou o panorama da geração distribuída no
Brasil e em países desenvolvidos.

Países como Alemanha, Japão e Estados Unidos já aplicavam modelos diversos de incentivo, o que orientou a ANEEL a estudar alternativas para o Brasil. Entre os modelos analisados, destacam-se:

  • Tarifa Feed-in (Feed-in Tariff ): remuneração fixa por kWh injetado na rede, garantida por contratos de longo prazo. Aplicada com êxito na Alemanha.
  • Certificados Verdes: exigência de cotas de geração renovável para distribuidoras.
  • Net Metering: compensação contábil do excedente gerado com créditos para consumo posterior.
  • Subsídios Diretos ou Isenções Fiscais: incentivos financeiros para a instalação de sistemas.

Ainda em 2010, a ANEEL iniciou a Consulta Pública no 15/2010 para estruturar um marco regulatório mais acessível à geração de pequeno porte. O processo resultou na Nota Técnica no 0004/2011, que consolidou 577 contribuições de diversos agentes, com foco na simplificação da conexão, regras específicas para pequenos geradores e avaliação da adoção do modelo Net Metering no país.

Como resultado, em 2012, a ANEEL publicou a Resolução Normativa no 482, que instituiu o Sistema de Compensação de Energia Elétrica (SCEE), com base no modelo de Net Metering. A escolha foi guiada por uma estratégia de incentivo à geração descentralizada de pequeno porte, sem gerar aumentos significativos nas tarifas. A Agência ponderou que, embora o modelo de
tarifa feed-in oferecesse maior atratividade ao investidor, sua adoção implicaria repasses tarifários a todos os consumidores, o que contraria o princípio da modicidade tarifária. O Net Metering, por sua vez, apresentava-se como uma solução mais adequada ao contexto regulatório e econômico brasileiro naquele momento.

3. Aperfeiçoamentos e novos incentivos

Nos anos seguintes, o arcabouço regulatório foi sendo aprimorado. A Resolução Normativa no 687/2015 ampliou as possibilidades de GD ao permitir modalidades como a geração compartilhada, o autoconsumo remoto e empreendimentos com múltiplas unidades
consumidoras. Também houve ampliação do prazo para uso dos créditos de energia, passando de 36 para 60 meses.

Nesse mesmo período, políticas tributárias também foram fundamentais. O Convênio ICMS no 16/2015 autorizou a isenção de ICMS sobre a energia compensada. A Lei no 13.169/2015 isentou a energia injetada de PIS e Cofins. No plano federal, o ProGD (Programa de Desenvolvimento da Geração Distribuída) foi lançado em 2015 com a meta de mobilizar até R$ 100 bilhões em investimentos até 2030.

4. A experiência internacional: Alemanha e Reino Unido

Quando comparamos esse percurso com o de outras nações, observamos abordagens bastante distintas. A Alemanha, por exemplo, estabeleceu desde os anos 1990 uma política consistente de

fomento às energias renováveis, culminando na Lei de Energias Renováveis (Erneuerbare-Energien-Gesetz – EEG) e na política de transição energética conhecida como Energiewende.

Essa legislação introduziu a tarifa feed-in (FIT), que garante ao produtor de energia solar uma remuneração fixa por kWh injetado na rede, com contratos de longo prazo, usualmente de 20 anos, assegurando previsibilidade ao investidor. Além disso, o país implementou metas nacionais obrigatórias de participação das renováveis na matriz energética, um sistema de prioridade no despacho da energia limpa e a obrigação das distribuidoras de adquirir toda a energia gerada por essas fontes. Esse conjunto de medidas, permitiu à Alemanha atingir mais de 89.000 MW de capacidade instalada em energia solar, mesmo com uma irradiação solar significativamente inferior à do Brasil.

O Reino Unido, por sua vez, adotou uma trajetória distinta na promoção da energia solar. Após um período inicial de forte expansão, impulsionado pela adoção da tarifa feed-in e outros mecanismos de incentivo, o país passou a reduzir progressivamente seus estímulos à geração distribuída. A eliminação da FIT, aliada à ausência de novas políticas compensatórias e ao enfraquecimento dos subsídios, comprometeu o dinamismo do setor. Com isso, o ritmo de crescimento da capacidade instalada desacelerou significativamente nos últimos anos, levando o país a atingir cerca de 17.600 MW em energia solar – menos da metade da capacidade instalada brasileira em 2024. Esse caso evidencia os riscos de descontinuidade regulatória e a importância de políticas públicas estáveis para sustentar o avanço das fontes renováveis no longo prazo.

Patricia Dayrell, advogada

5. O marco legal da Geração Distribuída e desafios futuros

O crescimento acelerado da micro e minigeração distribuída no Brasil ao longo da última década, impulsionado por um conjunto de incentivos regulatórios e tributários, trouxe à tona a necessidade de revisão do modelo vigente . A Resolução Normativa no 482/2012, embora inovadora à época, passou a gerar debates sobre seus impactos tarifários e sobre o equilíbrio econômico entre os diferentes usuários da rede. A principal crítica dizia respeito à valoração integral da energia compensada, sem a cobrança proporcional pelo uso da infraestrutura elétrica, o que, segundo alguns posicionamentos técnicos, poderia comprometer os princípios de modicidade tarifária e equidade.

Nesse cenário, e após intensos debates entre agentes do setor, sociedade civil e órgãos reguladores, foi promulgada a Lei no 14.300/2022, que instituiu o novo marco legal da geração distribuída no Brasil. A legislação consolidou normas para o SCEE e estabeleceu uma transição regulatória importante: consumidores que protocolaram seus pedidos de acesso até 7 de janeiro de 2023 manteriam as regras anteriores até 2045; já os sistemas conectados após essa data passaram a seguir um modelo de compensação com redução progressiva dos benefícios.

A regulação da Lei no 14.300 ficou a cargo da ANEEL, que, por meio da Resolução Normativa no 1.059/2023, detalhou os aspectos técnicos e operacionais do novo regime. Essa resolução definiu, entre outros pontos, os encargos a serem gradualmente assumidos pelos novos usuários da GD, com o objetivo de promover maior alinhamento entre o uso da rede e os custos associados.

Tais mudanças refletem um momento de amadurecimento institucional e tecnológico. A queda expressiva nos preços dos sistemas fotovoltaicos, aliada ao aumento da escala e à profissionalização do setor, indicava que o modelo de incentivo originalmente concebido para um cenário de alto custo já não era mais compatível com a realidade atual.

A legislação, portanto, buscou atualizar o arcabouço normativo sem comprometer os avanços já consolidados, e com
atenção especial à sustentabilidade econômica do sistema como um todo.

Nathália Moraes, estagiária

6. Considerações finais

A trajetória das políticas públicas de incentivo à energia solar no Brasil revela um caminho de avanços normativos e estratégicos que, ao longo de mais de duas décadas, consolidaram a fonte solar como uma alternativa viável e relevante na matriz energética. A adoção do modelo de Net Metering foi orientada por critérios de viabilidade e cautela regulatória e exigiu – e ainda exige – constante aperfeiçoamento para assegurar equilíbrio entre sustentabilidade, acessibilidade e justiça tarifária.

Apesar dos avanços consolidados, a política de incentivo à geração distribuída por meio da energia solar fotovoltaica enfrenta hoje desafios significativos que exigem atenção dos formuladores de políticas públicas. A expansão acelerada da micro e minigeração em determinadas regiões tem levado à sobreoferta e à saturação das redes de distribuição, impondo limites técnicos ao escoamento da energia. Soma-se a isso a morosidade no trâmite dos pedidos de conexão e a sobrecarga operacional das distribuidoras, que frequentemente não conseguem atender à crescente demanda com a agilidade necessária.

No plano institucional, o ambiente regulatório tem se mostrado instável, com sucessivas tentativas legislativas de incluir dispositivos estranhos ao objeto principal dos projetos de lei (os chamados “jabutis”), como ocorreu na Lei das eólicas offshore . Esse tipo de inserção legislativa gera percepções de insegurança jurídica e pode impactar negativamente o ambiente de investimentos a longo prazo.

Outro tema relevante em debate no setor elétrico é a abertura do mercado para consumidores de baixa tensão, processo que tem gerado disputas entre geradoras e distribuidoras. Enquanto as primeiras veem a liberalização como uma oportunidade para ampliar a competição e atrair novos consumidores, as distribuidoras manifestam preocupações com o desequilíbrio econômico-financeiro decorrente da migração de cargas, especialmente em um contexto em que parte significativa dos custos fixos da rede continua sendo rateada entre os consumidores cativos remanescentes.

Essa mudança estrutural impacta diretamente a sustentabilidade do modelo de compensação da geração distribuída e reforça a necessidade de repensar a alocação de custos no setor. Diante desse cenário, torna-se urgente o aprimoramento das regras de transição, a definição clara de responsabilidades entre os agentes e o fortalecimento de uma governança regulatória estável,
técnica e transparente, respeitando, sempre, o direito adquirido dos agentes envolvidos.

O desenvolvimento da fonte solar fotovoltaica no Brasil, especialmente através do modelo de geração distribuída, segue em consolidação e transformação dentro do setor elétrico. O cenário atual impõe o desafio de equilibrar os avanços tecnológicos e a expansão do mercado com a necessidade de um arcabouço regulatório estável, transparente e ajustado à evolução do setor.
Além disso, o aumento expressivo na quantidade de projetos traz impactos operacionais relevantes, exigindo que os agentes envolvidos – como as distribuidoras e os reguladores – estejam estruturados para promover celeridade e previsibilidade, condições essenciais para o desenvolvimento ordenado do modelo no país.

Marvin Menezes é sócio e titular da área de Energia, Bianca Wolf é coordenadora da área de Energia, Patricia Dayrell é associada da área de Energia e Nathalia Moraes é estagiária da área de Energia do TAGD Advogados.

Fonte Cortesia: Canal Energia